terça-feira, 10 de junho de 2014

Nuvem de probabilidades

- você não acha que isso é um tanto ... estranho?
- explique estranho.
- o fato desta conversa existir, sem falar na razão
- que razão?
- justamente isso que eu pergunto: que razão há para essa conversa existir?
- ora, isso é apenas uma conversa entre amigos, nada de mais.
- nada de mais hein. e o fato de isso existir apenas em sua cabeça não muda nada?
- isso é irrelevante, sem contar que isso ajuda imensamente eu manter minha sanidade, sem falar de outras vantagens.
- sério? manter a sanidade? manter a sanidade conversando com uma voz em sua cabeça, que você sabe perfeitamente que é fruto das flutuações elétricas em seu cérebro.
- o que isso tem de errado? quando crianças, todos falamos sozinhos, temos amigos imaginários, por que um adulto não o pode?
- por que isso foge à curva de comportamento padrão, como você gosta de dizer.
- admito que estou ligeiramente fora da curva padrão, mas isso meio que foi uma escolha minha, ou não.
- já vi que não vamos chegar a um consenso. voltando um pouco, quais seriam as vantagens de conversar com a voz em sua cabeça?
- poder ver as coisas de perspectivas diferentes, analisar as situações de vários pontos de vista, discutir para chegar a um consenso sobre como agir.
- para isso você tem seus amigos, para discutir, analisar, jogar conversa fora, enfim, essas coisas.
- sim, eu sei disso, entretanto nem sempre os poderei consultar, sem contar que eles não possuem as informações que possuímos, e sob este ponto de vista, conversar com alguém tão intimo economiza bastante tempo...
 
 

- você sabe que isso é ciclo, não é?
- explique.
- você vive entre os humanos, não compreende-os por eles não serem lógicos, então se afasta deles e passa a observar seu comportamento. Algum tempo depois, você não os consegue compreender por estar afastado deles, então se afasta mais ainda e passa a vê-los apenas como estatísticas, apenas flutuações em uma nuvem de probabilidade...
- Confesso que na verdade eu deveria estar trabalhando, mas estou momentaneamente sem inspiração para escrever um dano moral razoável.
- Então, por estar sem inspiração para escrever, você vai escrever, é isso?
- Sim e não.  Sim estou escrevendo por a inspiração me faltar neste momento para a escrita, e não estou a escrever por não ter inspiração, são caminhos diferentes que o pensamento toma. Meu escrever de trabalho depende de minha mente estar focada no processo, enquanto que meu escrever por escrever, surge de deixar a mente vagar.
- Isso é ilógico.
- De certa forma sim, pois se eu decidisse focar meus pensamentos apenas no trabalho a ser feito, o trabalho seria feito. (pareceu melhor quando pensei que quando escrevi...)
- Então tu não deverias retornar ao labor? focar-se em seu trabalho?
- O sensato seria isso, mais já faz algum tempo que não deixo simplesmente meus dedos escreverem o que minha mente dita e não o que deve escrever. são momentos em que meus eus aparentam estar em harmonia,  não são para se desperdiçar ;-)
- E tu aproveita esse momento de rara paz para escrever coisas sem sentido? ¬¬" nooossa que emocionante.
- Vou fingir que não notei seu sarcasmo, mas sim escrevo coisas sem muito sentido pois é assim que parte de minha mente funciona, com associações aleatórias de fatos sem importância isolados.
- Eu lembro de um tempo em que você não fugia em pensamento tão facilmente, um tempo em que podia manter o foco em um objetivo por éons e você tinha uma paciência muito maior que agora. o que houve com aquela pessoa?
- Futuro, passado, presente, será que eu fui ou serei como você descreve?  as flutuações espaço-temporais são tão fascinantes! deixando de lado meus devaneios, eu mudei, sei disso, lembro das configurações anteriores de meu cérebro, chega a ser estranho analisar os estados anteriores de minha mente, sinto-me apertado, sem mobilidade, parece que estou estudando a mente de outra pessoa, não parece ser eu mesmo.
- Bizarro.
- Essa é uma das palavras que eu poderia utilizar para descrever esse sentimento. Não tenho informações de outras pessoas que estudem a si mesmas, afinal a maioria delas não tem razões para fazê-lo, então...
- Então?
- Então em meu universo, sou a única pessoa que tem a si mesmo como campo de estudo, como cobaia. Não é algo muito sensato de se fazer no final das contas.
-  Porquê você o faz então, se reconhece que é uma atitude pouco inteligente?
- Pois sou fundamentalmente humano, o apetite pelo desconhecido, as perguntas sem respostas fazem parte de mim, bem como cometer atos reconhecidamente estúpidos, não que os seres humanos sejam pouco inteligentes, mas hora ou outra podemos fazer uma monumental burrada.